domingo, 29 de dezembro de 2013

A vinha da Serra

Como sabem os leitores do blog, este projecto tem como base a identificação e a preservação dos sitios especiais para vinha do Dão da Serra da Estrela.



Locais, que em particular pela composição dos solos, pela inclinação, pelo micro-clima e exposição solar, o Homem da Serra elegeu, ha muito tempo, como predilectos para o cultivo de vinha.



A "vinha da Serra" é um desses sitios, vinha situada ja nas alturas, em plena Serra da Estrela.
Vinha que desde ha mémoria sempre ali existiu. O dono, de 80 e tal anos, conta que quando era criança ja ali existia a vinha.


Vinha que desafia a logica. Como podem ali amadurecer as uvas?



Os factos mostram que as uvas amadurecem mesmo.


As explicações que encontramos é que isso resulta de um mix de de varios factores.
Em particular a capacidade de drenagem e retenção de agua dos solos e a exposição solar.
A expisoção a poente traz muitas horas de luz, o que combinado a disponibilidade de agua para as raizes profundas da vinha, permite uma boa fotosintese.



As raizes fundas, aquelas que vão tocar a rocha mãe, devem estar de boa saude, pois o solo esta bem bem drenado e arrejado.


 Isso deve-se ao facto de esta vinha nunca ter conhecido nem herbicidas, nem tractor.
Sempre foi trabalhado a enxada 3 vezes por ano, escavado no inverno, lavrado na primavera e depois no verão era realizada a "arrenda".
Por isso este solo não esta compactado, esta bem arrejado, cheio de vida, cheio "bicharada", de minhocas que vão de cima a baixo, que abrem galerias nos solos que permitem o arrejamento e a drenagem das aguas até la ao fundo, onde estão as raizes mais velhas ao contacto da rocha mãe.



As raizes fundas, em vez de morrer, podem assim respirar, beber e alimentar-se, graças ao trabalho desta bicharada. Obtem-se assim um vinho que expressa o seu local.


Vindimei esta vinha pela primeira vez este ano.
As uvas brancas foram para o lote do branco (que ainda nesta altura fermenta) e as tintas foram vinificadas a parte, de maneira a poder perceber as caracteristicas do vinho tinto resultante desta vinha.
A vinificação foi evidentemente natural, a fermentação alcoolica realizou-se com as leveduras das proprias uvas de maneira a expressar o local.


Ainda é cedo para se tirar conclusões, pois o tinto ainda esta a fazer a malolactica, esta por isso diferente do que sera no futuro. Mas o que sobressai desde ja, ao prova-lo, é o seu caracter bem evidente! Não ha duvidas que expressa o seu local.


Nunca terei mais de 500 garrafas a partir desta vinha.
Alguns diriam que isto "não vale a pena", que é "utopia", "lirismos"... Que "não ha mercado" para isto, que os vinhos são "caros", que mais isto e aquilo...
Ja percebi que este projecto esta a estorvar. Os obstaculos, as invejas, as facadas nas costas, as tentativas de "deita-abaixo" la vão aparecendo cada vez mais frequentes.

Cada um é livre de pensar o que quizer.
Eu penso que estas vinhas, alem do caracter e qualidade que naturalmente transmitem aos vinhos, ilustram a Historia vitivinicola e cultural de Portugal e que por isso merecem ser preservadas.
Tenho orgulho e prazer em contribuir para tal.

Penso que não sou o unico a pensar assim e enquanto tiver saude e "houver mercado" para sustentar o projecto, continuarei! Por muito que isso custe a alguns!

sábado, 14 de dezembro de 2013

Escapada pré-natalicia

Amanhã é dia de fugir mais uma vez a realidade, dia de voltar uma semana a Terra Santa.
Semana em que, como de costume, tenho bastantes tarefas a minha espera.


Na parte da adega, é altura de começar a preparar o engarrafamento do tinto de 2012. Provar as diferentes barricas das duas vindimas de 2012 e tomar as decisões adequadas. Depois é passar o vinho a limpo e junta-lo a espera do engarrafamento. A confirmar o que tem sido até aqui, o 2012 vai dar que falar! Finesse e precisão!


Tambem os 2013 precisarão de atenção e serão provados. Neste momento os tintos estão a fazer as malolacticas. O branco la termina a sua FA tranquilamente, sem pressas.
Nesta altura ja devem estar bem diferentes em relação ao que eram no fim das fermentações alcoolicas.
Sera que nesta altura, apesar de ainda fermentarem (malolactica) ja se notam diferenças entre os terroirs de cada um deles?
Estou impaciente de os ir provar!


Nas vinhas, nesta altura é principalmente organizar os trabalhos dos solos das proximas semanas.
Duas vinhas velhas, que comecei a recuperar, serão estrumadas depois de podadas, la para fim de Janeiro. E noutras lavrar os solos. Ha que organizar tudo isto. As mobilizações de solo serão feitas com cavalo.


Alem disto, tambem ha varias questões administrativas a resolver. E a parte mais chata, mas tem de ser...

Ah ja me esquecia! A ver se tambem consigo descansar um bocadinho!

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Os vignerons desconhecidos

Ha pessoas que tratam a vinha por "tu"!


Pessoas com 40/50 anos de experiência na vinha, cujas mãos refletem o espirito vigneron.



Pessoas que embora desconhecidas, sabem muito mais de vinha do que muitos nomes ilustres.



Ha pessoas sem as quais o meu projecto não poderia existir.
O meu sogro é uma dessas pessoas!

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

As 6 vindimas de tintos 2013

A vindima de 2013 foi complexa por varios motivos.
Complexa pela lentidão das maturações, pelas condições climaticas, mas tambem no meu caso ainda mais complexa por terem sido 7 vindimas a ter de gerir num curto espaço de tempo.
Uma vindima de branco e 6 de tintos.

Os 6 tintos provêm de 6 vinhas velhas diferentes.
Cada uma tem as suas particularidades, quer em termos de castas, de idade, de solo, de exposição solar, de altitude, etc...

Ja conhecem a vinha salva em 2010, aquela que podem a partir de agora provar no vinho engarrafado de 2011. Alem dela, este ano tratei e vindimei mais 5 vinhas pela primeira vez.




Como sabem o objectivo do projecto é identificar os "grands crus" do Dão serrano. Por isso cada vinha foi vindimada e vinificada a parte, de maneira a poder conhecê-las bem.
Caso resulte bem, estou a ponderar engarrafa-las separadamente, de maneira a que cada vinho expresse a sua vinha de origem, a boa maneira borgonhesa.

Vindimado o branco, pude virar agulhas para os tintos.

A primeira vinha a estar pronta para vindimar era a vinha centenaria.
Era a vinha com as maturações mais adiantadas, indicando ja 13% de alcool provavel.
Quinta-feira 19 de setembro de manhã, no dia a seguir a vindima do branco, pela fresca, la voltamos então a vinha centenaria para realizar a primeira vndima de tinto do ano.


Esta ja estava safa!

Nestes dias andava preocupado com as previsões meteorologicas, pois daqui a uma semana anunciavam chuva durante dias seguidos. Mas não me podia precipitar a vindimar logo o resto, pois as maturações estavam mais atrasadas, avançavam lentamente. Tinha de tentar deixa-las avançar até ao ultimo momento antes da chuva.
Era importante conseguir vindimar tudo antes das chuvas. 
Pois com a carga de chuva que anunciavam, as uvas poderiam depois encherem de agua e os seus componentes ficarem mais diluidos. Poderia tambem aparecer a seguir focos de podridão. 

Como se isso ja não bastasse, outro risco que tinha de ter em conta é que a chuva iria lavar as peliculas da uva, levando com ela as leveduras tão preciosas para a fermentação alcoolica. Isso não é problematico para a maior parte dos produtores, pois quase sempre utilizam leveduras de laboratorios para fermentarem o vinho. 
Ora no meu caso, não utilizo essas leveduras exogenas. 
Como pretendo expressar o local da vinha, fermento o vinho naturalmente, com as leveduras da propria uva, as leveduras vindas da vinha.
Ora se chove muito e as uvas ficam lavadas, fico sem parte das leveduras indigenas, correndo então o risco de a fermentação não arrancar ou de não ir até ao fim...
Conciente destes riscos tinha mesmo de conseguir vindimar tudo antes da chuva. Caso contrario seria dificil conseguir expressar os terroirs de cada vinha.


Dois dias depois, no sabado 21 de manhã, fomos vindimar a vinha velha dos clones antigos de Jaen. Vinha virada a norte, o que me parece interessante por permitir atrasar a maturação desta casta precoce. Permite tambem preservar frescura nesta casta que perde facilmente acidez se apanhada demasiado tarde.


Solos desde sempre trabalhados a mão, a enxada. Solos graniticos que nunca conheceram nem herbicidas, nem tratores. Solos por isso arrejados e cheios de vida, portanto solos aptos a expressão do terroir.


Esta foi das raras vinhas que apresentavam uma quantidade de branco abaixo de 5%.
Como tal decidi apanhar tudo junto para assim experimentar uma vinificação a moda antiga.


Faltavam então mais 4 vinhas por vindimar o tinto e as previsões ameaçavam a partir do meio da semana seguinte. Fui esperando, esperando, mas a cada dia que passava, as previões pioravam...
Segunda-feira, tive de tomar uma decisão.
Anunciavam chuva intensa durante varios dias a partir de quinta-feira.
As quatro vinhas teriam de ser vindimadas nos dois dias que restavam antes da chuva.
Por isso na segunda-feira, alem de tratar das vinificações ja em curso, foi dia de organizar as vindimas e avisar o pessoal da vindima.


Esses dois dias forem super intensos, 4 vindimas e ao mesmo tempo vinificações a seguir e mais uns quantos assuntos a resolver. Não foi facil e confesso, ao fim dos dias estava mesmo de rastos com o cansaço. Mas la conseguimos!

Começamos na terça-feira de manhã cedinho por uma vinha velha situada no cimo de um monte, perto da centenaria. Vinha praticamente abandonada, em estado em que pouco falta para de qualificar de selvagem.


Vinha num sitio como ha poucos, solos pobres, onde tem mandado a natureza, esposição exepcional com um poente fantastico no cimo deste monte. Vinha cuja idade se desconhece precisamente, mas desde que ha memoria sempre ali houve aquela vinha.

Vinha mal tratada nos ultimos anos e em que terei agora a responsabilidade e o privilégio de mimar!


Depois da tradicional "buxa", a vindima prosseguiu noutra vinha que recuperei este ano e de que ja vos tinha falado no ultimo inverno.











Vinha que iria ficar por podar ja este ano se não lhe pegava. Vinha portanto que tinha a morte prometida.


O solo desta encosta é muito pedragoso e cheio de nuances, com partes com bocados de granito grandes e outras com granitos mais finos e cor de rosa.


No ultimo inverno, quando descobri a vinha e provei o vinho caseiro do dono, em garrafão, tinha ficado espantado pelo caracter do vinho, onde a mineralidade profunda sobressaia entra a fruta vermelha fresca.


No ciclo que agora terminou, não deu para realizar grandes trabalhos de recuperação, pois descobria ja em inicio de março. So deu para a podar e realizar os tratamentos, basicamente. Foi podada deixando geralmente apenas 3 a 4 olhos, pois a vinha notava-se que estava fraquinha em termos de vigor. Este ano tera de ser bem trabalhada. Trabalhar os solos com o cavalo e estrumar, a ver se ganha uma nova juventude.


Com o avançar do ciclo vegetativo deu para ir percebendo as castas presentes. Nas tintas, tive a surpresa e o prazer de descobrir que a casta mais presente era o Bastardo!
Essa casta, que a par do Jaen, deixa os velhotes do sopé da Serra da Estrela, com os olhos a brilhar quando falam dela!


Apesar de ser uma casta precoce, este ano, tal como as outras custou bastante a amadurecer.
Por isso foi mais um vinho com 12,5% de alcool provavel que se vindimou.

Da parte da tarde, subimos a Serra, para ir vindimar a vinha centenaria que tambem estou a começar a recuperar ja a 600m em altitude, em plena encosta da Serra.


Mais uma vinha que nunca conheceu nem tractor, nem herbicida.


Mais uma vinha em que deposito grandes expectativas!


Terminada a terceira e ultima vindima do dia, ja no fim da tarde, voltamos para a adega.


Faltava ainda muito trabalho para acabar o dia.
3 vindimas para desengaçar e encubar nas dornas.
O dia ja so acabaria com a noite adiantada.

No dia a seguir chegava a ultima das vindimas do ano, o da vinha que salvei em 2010 e cujo vinho de 2011 esta ja engarrafado e a venda.

A primeira que tratei e a maior de todas com os seu ha.

Vinha que esteve a beira da morte depois de 3 anos sem ser podada. Hoje em dia com todo o carinho e todos os miminhos que levou desde 2010, esta lindissima, como provavelmente nunca esteve.


A geada de fim de abril tinha afectado fortemente esta vinha. No final deu para perceber que se perdeu com a geada mais ou menos 50% da produção do ano. Mesmo assim não me posso queixar muito, pois na altura cheguei a temer ter perdido 90% da produção...
Assim sendo consegui ainda uns 1700 L deste ha de vinha.

Assim terminou a vindima de 2013.

No dia seguinte, as previsões confirmaram-se com a chuva a iniciar. Seguiu-se então um diluvio de uma semana. Ja com tudo na adega, pude me considerar feliz!



domingo, 24 de novembro de 2013

A vinificação do branco

Como expliquei no post da vindima do branco, fui apanhar o branco a parte do tinto em 5 vinhas velhas do sopé da Serra da Estrela, pois tradicionalmente nas vinhas velhas da região, o branco e o tinto estão misturados.
Depois de apanhadas, vinificamos as uvas brancas todas juntas.
A vinificação do branco foi conduzida pelo Luis Lopes, o enologo responsavel pela adega da Quinta da Pellada.
O Luis tem-me acompanhado desde o inicio desta aventura. Muito tenho aprendido com ele. Tornou-se um grande amigo!
E claramente das pessoas que mais gosto neste mundo dos vinhos, das pessoas com quem mais me sinto em sintonia.


O Luis é uma pessoa que sabe o que faz. 
Partilho com ele a mesma maneira de abordar o vinho, ou seja uma perspectiva orientada para a expressão do sitio onde nascem as uvas.
Inicialmente, o Luis desenvolveu esta perspectiva quando estagiou na Borgonha, no Domaine des Comtes Lafon. 
La, pode aprender as melhores praticas de expressão do terroir, quer na vinha com as praticas biodinamicas, quer na adega com praticas naturais, sem intervenções enologicas adetulradoras.

São linhas orientadoras que temos vindo a por em praticas nas vinificações, e neste caso o branco não foi exepção.

Preparado o material, começamos então a despejar as caixas de uvas brancas para dentro da prensa pneumatica.



Nos brancos a prensagem é uma etapa essencial e que, contrariamente ao tinto, se desenrola logo no inicio da operações de vinificação.

Na fase da prensagem, pudemos contar com o apoio de outro grande Senhor do Dão, aquele sem quem a minha aventura não poderia ter ido para frente.







Enquanto as uvas eram prensadas, o mosto caia para um recipiente por baixo da prensa.

Como no branco é muito sensivel a riscos de oxidação, protegemos o mosto com gelo seco que ao contacto com o mosto libertar CO2.

Forma-se assim uma camada de CO2 por de cima do mosto, protegendo-o do oxigénio.
Depois prensagem ligeira o mosto foi bombeado para dentro da cuba de decantação.

E na parte da decantação, e depois na parte da fermentação, que residem as grandes diferenças com os processos industriais largamente utilizados na quase totalidade dos vinhos brancos "modernos" made in Portugal.
A principal diferença é que não utilizamos nem enzimas, nem leveduras exogenas.
Nos métodos industriais, os enologos querem o maximo de segurança. Utilizam então as enzimas para levar as borras todas para o fundo da cuva.
O problema das enzimas é que levam mesmo tudo, rapam tudo! Quer sejam borras boas ou borras mas, vai tudo!
Depois o vinho fica como que nu, ja não consegue fermentar sozinho. Os enologos têm então de inocular leveduras de laboratorio para o mosto fermentar. uma marca de laboratorio. Os vinhos assim criados não expressam uma terra, um local, mas sim um laboratorio.
No nosso metodo, fazemos a decantação naturalmente, sem deitar nada, a não ser sulfuroso.
O sulfuroso, como antioxidante e antiseptico, utilizado nas doses certas, sem abusos, serve para proteger da oxidação e de alterações. 
Mas tambem serve atrasar o arranque da fermentação.
Da assim tempo as borras para pausarem naturalmente.

Utilizamos o frio para que as leveduras fiquem calmas e não arranquem logo.
Assim durante 3 dias não arranca e podemos então passar o vinho para outra cuba.
Caso contrario, se arranca-se a fermentação, ficariam as borras em suspensão no mosto e seria impossivel separar as borras mas do mosto.

Depois de 3 dias, as borras estão pousadas no fundo da cuba, por camadas. Podemos então passar o vinho a limpo para outra cuba, aproveitando apenas as borras boas que servirão para fermentar, para transformar o mosto num vinho que expresse a sua origem.
Começamos então a passagem a limpo, passando primeiro a parte limpa de borras para outra cuba, até chegar ao cimo das borras. Paramos então a bombagem, para apanhar as borras boas num processo mais manual e meticuloso.
As borras no fundo da primeira cuba, estão estruturadas em camadas de cores diferentes.
A camada mais alta é amarela. Aproveitamos essa borra amarela toda e juntamos-a ao mosto limpo na cuba de fermentação.
Depois por baixo ha a borra cor de laranja. Aproveitamos essa tambem e deitamos-a tambem para a cuba de fermentação.
Depois no fundo da cuba de decantação, fica a borra preta. Essa é ma, ja não a queremos e deitamos-a fora.
Ficamos assim com o mosto limpo misturado com as borras amarelas e laranja, borras boas.
Deixamos então a temperatura subir um pouco e arranca a fermentação naturalmente, sozinha, graça as borras boas.
O mosto fermenta assim com as leveduras da propria uva, da propria vinha e vai por isso poder expressar o local donde vem, o que chamamos "Terroir".

No momento em que escrevo este post, passados mais de dois meses depois da vindima, a fermentação ainda continua, agora ja numa fase final em que as leveduras estão a acabar de transformar o pouco açucar que resta em alcool.

Como o mosto esta em movimento com o gaz da fermentação, não é preciso realizar por enquanto batonagem, pois essa função tem sido assegurada pelo proprio mosto em fermentação.




Assim que terminar a fermentação, as analises e a prova indicara os proximos passos a seguir.